“CHICO
PAIVA” E SEUS AFORISMOS SURPRENDENTES
Após saborear no almoço uma pesada
costela – aliás, diga-se de passagem, bastante gorda -, tomei um copo d’água,
retirei-me da mesa e aproximei-me do velho sofá para tirar uma sesta, ao sentar
comecei a relembrar, casualmente, os primeiros momentos como universitário na
nossa singular UFMA – prédio alugado que servira anos a fio ao antigo CRUTAC -,
sob a Coordenação da professora Iramary de Jesus Queiroz; naquele momento nos
conhecíamos vagarosa e timidamente, aos poucos íamos aproximando um do outro,
tentando absorver informações de ordem pessoal e, assim, iniciar uma relação de
amizade, cumplicidade e identificação. Ao mesmo tempo, nos entregávamos de
corpo e alma, por pura paixão aos textos pré-selecionados pelos nossos
professores ‘relâmpagos’ (que, dispunham de um interstício na UFMA e,
imediatamente, eram designados para nossa cidade para ministrar as disciplinadas
do Curso de Pedagogia) e, lógico, nós vibrávamos com cada disciplinada
conquistada! Tempo de aprendizagem e sofrimento pela demora entre uma
disciplina e a subseqüente! Tirando esse gigantesco intervalo, valeu apena cada
vitória e avanço.
Foi nesse processo rico de
participação, envolvimento, e muita, mas muita alegria que conheci o talentoso
camarada ‘Chico Paiva’. ‘Chico Paiva’ é um camarada detentor de uma rara
qualidade: a amizade fácil e dócil. É um sujeito histórico categórico, sem
exagero! Imprime, sucintamente, opiniões demolidoras, sem, no entanto,
demonstrar ódio, inveja, antipatia, competitividade e falsidade. A sua marca
irretocável manifesta-se, aliás, sempre num tom belicoso e irônico. É seu
indomável estilo crítico. Uma observação sobre o que acabei de mencionar como
virtudes suas, não quero aqui fazer elogios rasgados pura e simplesmente para
agradar o seu ego; mas, sim, abrir uma fissura em seu intelecto, considerando
sua notável e aguda percepção de mundo. Tal percepção é sentida em cada frase
pronunciada sobre os diversos campos da ciência social. No entanto, a virtude
que mais aflora em seu fino e arrojado discurso dialético é a transparência da
Ética; isso, confesso, é estrondoso! Outra característica presente é a
capacidade de transformar o trágico em comédia; o terrível em ameno, mesmo nos
casos mais aviltantes e burlescos.
Quando o conheci – nos espaços
exprimidos do Campus VII -, era como eu, um iniciante, um pouco arredio, sempre
observador, de frases curtas e de efeitos delirantes.
Mas, permita-me aqui, aduzir o fato
que tem uma correlação intima com o ‘Chico Paiva’, enquanto aprendiz
universitário. Estávamos fazendo uma apresentação de um Seminário de Filosofia
e, quando sua equipe foi fazer a apresentação parecia transcorrer tudo bem,
mas, no momento em que o ‘Chico Paiva’ usou sua parte, de repente, é
sobressaltado por uma frase cujo efeito, nos conduziu a um prazeroso momento de
puro gracejo, a frase pronunciada foi: “... e o escambau!” Não pude me conter,
armei-me de uma alarmante gargalhada a ponto de todo o resto da turma me
acompanhar. Deste inusitado (engraçado) episódio, posteriormente, é que fui
tentar compreender a dinâmica de sua fala. Intrigado com o verbete articulado,
tive a curiosidade de investigar o seu sentido filológico (etimológico) e,
imediatamente, recorri ao pesado e denso classificador/definidor de palavras: o
Aurélio. E ao folhear o glossário, encontrei o verbete com a seguinte
descrição: escambau. El. s. m. Us.
Loc. e o escambau, o escambau. E o
escambau. Bras. Gír. E outras coisas, e mais coisas, etc.; o escambau:
“Depois você me chama de omisso, de traidor e o escambau” (Silviano Santiago, Stella Manhatan, p. 185). O
escambau. Bras. Gír.E o escambau.
Ora, temos aí, uma clara definição
do que seja, efetivamente, o sentido filológico do verbete escambau. Ao mesmo
tempo em que, nos apresenta uma frase de um escritor demonstrando, dessa forma,
sua aplicação. Claro que, na academia verbetes não tão freqüentemente usado
pelos especialistas e doutos de carreiras, certamente, afirmarão que o jargão
não possui nenhuma relação com a academia. Importa a mim, relatar o fato não
como caráter científico, porém, importa frisar a forma como o ‘Chico Paiva’
definiu naquele momento o sentido que, importava na coesão da ideia e do objeto
apresentado. Mesmo sendo uma gíria, porém, ela foi dita como quem quisesse
utilizar-se de uma justificação plausível e numa perspectiva dialética, ‘outras
coisas, e mais coisas e etc’.
Há! ... ‘Chico Paiva’ ... Quanto
vale a luta pela democracia, quando temos uma profunda e excessiva compreensão
das cercanias do Sistema Dominante que tenta nos aprisionar usando vários
recursos, inclusive, a nossa própria condição intelectual? Quanto vale a luta
por parte da sociedade em defesa de uma Universidade Pública de qualidade e a
serviço do povo? Será que, ao usar uma metalinguagem complexa seremos capazes
de interromper um ciclo histórico secular invertendo sua lógica
teórico-ideológica e colocá-la a serviço da comunidade?
‘Chico Paiva’, camarada, intelectual
desproporcional mantenha esse vigoroso estilo crítico que se distancia do
tradicionalismo e do conservadorismo intelectual. Edificai o teu próprio
caminho, íngreme, porém, denso e irradiador, sem temor e tremor diante de homens
acaçapados que é a nossa vergonha.
Nesta pequena nota quis
homenageá-lo de uma forma única que sei: usando a pena. Tanto você quanto eu,
e, mais ainda, a elite dominante sabe do poder que a pena possui, basta a penas
que o povo se deleite com a nossa capacidade teórica e prática e sirva-se desse
banquete dialético.
Há! ‘Chico Paiva’... sei o quanto
és talentoso e ávido, sedento de conhecimento. Você é um fato concreto de que é
possível sim, vencer pelo poder do conhecimento. A educação é um grande instrumento
para promover a cidadania de que deseja e quer resgatar a si mesmo do processo
de dominação do Sistema. Você é o retrato típico de um vencedor entre os
vencidos que não querem levantar suas sobrancelhas e franzir suas testas e
libertar-se do jugo da opressão política, econômica, social, cultural e etc.
“escambau”, você é a síntese viva
da possibilidade e do possível. De nada adianta ao homem ser abjeto, quando na
verdade, ele deve ser a própria existência da superação em todos os sentidos,
uma constante construção teórico-libertária. ‘Escambau’ zele por vosso critério
da decência e da verdade e nada o derrubará. O homem é isso, só a coragem e a
vontade de superar obstáculos e superar-se, sempre!